3 de abr. de 2011

Que pena




Acho que fiz parte da última geração que brincou na rua, sem grandes preocupações.

Sou do tempo de jogar bola, andar de bicicleta na rua tinha como grande perigo os carros que transitavam. Mas, mesmo eles, na maioria das vezes, vinham tranquilamente e, quando corriam, não era nada demais, dava tempo suficiente para correr para a calçada.

Sou da época de vários programas de TV educativos, ou no mínimo, sem violência ou sem apelação. Sou da época, por exemplo, do Bambalalão, na TV Cultura. Um daqueles programas que os pais podiam largar o filho sozinho assistindo, que sabiam que era entretenimento cultural puro voltado, exclusivamente, para o público infantil.

Época em que programas apelativos passavam depois das vinte e duas horas, hora, esta, em que todas as crianças já estavam em suas camas, dormindo.

Época em que multa de trânsito era uma medida com vistas a penalizar o infrator e não a única opção educativa do trânsito, com objetivo puramente arrecadatório.

Época de comer salsicha crua na fila do supermercado.

É uma pena que tudo tenha passado.

As crianças não são mais as mesmas.

O trânsito não é mais o mesmo.

O mundo não é mais o mesmo.

Hoje em dia é perigoso atravessar a rua, quem dirá brincar de bola?

Comer salsicha cozida é perigoso!

Conversávamos nos portões das casas até tarde. Hoje em dia nem conversamos mais. Os portões permanecem eternamente trancados e vigiados por câmeras de segurança.

Crianças vivem fechadas entre quatro paredes, sob olhares atentos de algum adulto, hipnotizadas por algum jogo de vídeo game ou por algum programa que não merece sua mínima atenção.

Estranhos são suspeitos de crimes ainda nem cometidos.

A pulga mora atrás da orelha, não apenas está. Não ficamos com o pé atrás, ele sempre está lá.

Antigamente, bastava olhar para os dois lados da rua para atravessar. Hoje, a calçada é perigosa...

Fiz parte de uma geração educada pelos pais e avós. Não por alguém estranho da família, ou alguém contratado, que pregasse uma forma mais moderna da mesma.

Tinha horário para tudo. E “dar satisfação” não era invasão da privacidade, mas uma obrigação por não ter saído com algum responsável.

Ser boa aluna, responsável e educada era obrigação e não qualidade diferenciadora.

Formar uma pessoa de valor, era obrigação dos pais. E, eles, conscientes disso, se esforçavam ao máximo para conseguir formar adultos de caráter irretocável.

Afinal, valores influenciam as atitudes, as escolhas e determinam o que importa na vida de cada um.

Li, em algum lugar, que estudos recentes demonstram que a programação da televisão tornou-se o principal formador de valores em nossa sociedade.

Isto me assusta, me amedronta.

Fico preocupada em ler notícias como estas, que demonstram o poder da TV hoje em dia e a fraqueza, a limitação de horizontes, dos pais.

Televisão... Babá eletrônica que tem como carro-chefe e grande educador o BBB da vida.

Famílias correm riscos...

Famílias dão ao inimigo a possibilidade de criação de seres humanos.

Que valores serão embutidos na mente dessas crianças?

É...

Valor...

Palavra em desuso.

Palavra mal utilizada.

Palavra que virou piada.

Na vida, raridade.

No dicionário: “o que vale uma pessoa ou coisa”.

Influencia atitudes, decisões.

Determina e seleciona o que importa na vida de cada um.

Normalmente, repassado pelos pais. Através da arte de educar.

Outras vezes, embutido pelas amizades ou pelas experiências vivenciadas.

E outras tantas, chegando à conclusões baseadas no que se observa.

É...

O que está acontecendo?

O mundo moderno me desencanta a cada dia que passa.

Vejo muita coisa errada, intitulada como psicologia moderna onde tudo pode, para não gerar “problemas emocionais” em crianças solitárias e mimadas.

Estou cansada de ver o mundo se deteriorando...

Estou cansada do comodismo justificado.

Estou cansada da ignorância por opção comodista.

Estou cansada da inversão de valores.

Saudades da minha época.

Saudades de comida com gosto de comida, sem agrotóxico.

Saudades da educação, do respeito ao próximo.

Saudades do Bambalalão.

Saudades das minhas brincadeiras na rua.

Saudades da vida bem vivida.

Sinto saudades de uma época que já se foi.

Brincadeiras saudáveis, ingênuas, infantis...

Respeito ao próximo... Aos pais... À família...

Educação vigiada de perto... Dada e cobrada pela família.

Valores embutidos desde à infância...

Agora...

Brincadeiras, respeito, educação, valores...

Tudo diferente...

Tudo questionável...

Tudo descartável...

Tudo invertido... 

Que pena.