Você provavelmente foi obrigado a ler, na época do colégio, o livro do carioca Lima Barreto, “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Considerado por alguns entendidos o principal representante do pré-modernismo.
Para quem não se recorda, o romance tem como centro da história o nacionalismo, mas debate também sobre o idealismo.
Uma característica da obra é a ironia, estabelecida a partir de críticas à sociedade e ao positivismo.
Até aí, nada de novo.
Eis que um dia, fico sabendo que tal obra estava sendo encenada no teatro. Pensei, a princípio, que talvez não fosse interessante assistir a tal peça, em virtude de decepções anteriores ao assistir encenações baseadas em obras literárias.
Deixei para lá. Enterrei a vontade em algum lugar.
Até que um dia, uma colega nos convida para assistir tal peça... Aquela vontade não estava bem enterrada. E ressurge com uma curiosidade infinita de tirar a “prova dos nove”. Esta poderia ser diferente e ser extremamente interessante... Por que não?
Nem precisei pensar muito sobre a escolha. E o sim dispara ao encontro do ingresso já em minhas mãos.
Acho que foi uma boa idéia. E como.
A peça foi encenada no Sesc Santana, com adaptação e direção do competente e pouco compreendido Antunes Filho e encenada pelo não menos competente Grupo Macunaíma.
Teatro aconchegante. Fico surpresa com o que vejo. Não conhecia este teatro.
Atores entram em cena. Fico paralisada com tamanha criatividade. Tenho diante de meus olhos uma mistura de comédia de arte, teatro, dança e música. Tudo na medida certa.
Não consigo tirar os olhos do palco. A magia do teatro se faz presente. Salve a arte. A boa arte.
Salve os bons atores. Todos. Cada um de sua forma. Cada um tem seu momento sublime.
Salve Lee Thalor. Que interpreta o major nacionalista. Já tinha lido algo a respeito deste ator e sobre sua atuação nesta peça. Nenhuma fez jus ao que tinha diante de meus olhos.
Estava diante do Policarpo Quaresma. Era ele.
Com seu tom de voz tecnicamente colocado. Com a pronúncia de infindáveis sss, este ator dá um show neste papel. Sinto um alívio em saber que ainda existem atores na essência da palavra.
Quando já achava que tinha visto tudo o que este ator poderia oferecer, me deparo com uma das cenas mais lindas que meus olhos tiveram o prazer de ver: ele sapateando para matar as saúvas que acabavam com a plantação do personagem (algo de metáfora inigualável), ao som do hino nacional.
Ali, meu coração apertou. Me emocionei perante a brilhante idéia de Antunes Filho para a cena e pela concretização desta idéia por esta incrível ator. Só aquela cena, valia a peça toda.
Os 120 minutos passaram com uma rapidez surpreendente. Sinal de que fiquei com os olhos fixados naquele palco maravilhoso, a cada minutinho que se passava.
Saí da peça emocionada. Fazia tempo que isto não acontecia.
Emocionada pela adaptação, pelo talento com que aqueles atores trabalharam, com a modernidade aplicada em uma obra pré-modernista.
Emocionada em ter presenciado o que aconteceu sobre aquele palco. Emocionada em ser testemunha da concretização de uma adaptação de uma grande obra nacional, representada por imensos talentos teatrais.
Emocionada por ver que ainda há esperança. Que existem talentos espalhados e pouco valorizados por aí. Mas, existem.
Emocionada com tamanho talento daquele ator. Eu posso dizer que conheci Policarpo Quaresma naquela noite.
Emocionada por ver um produto nacional de qualidade. De muita qualidade.
Que Deus abençoe todos estes artistas magníficos.
Senti, nesta noite, um amor ao meu país.
Deve ser influência de Policarpo.